segunda-feira, 9 de março de 2015

Ainda sobre Fernando Pessoa: Hoje em dia

Como se relacionar com alguém de quem não se apreende a essência, a Vontade (Schopenhauer) – por excelência, algo inapreensível, mesmo depois de muito tempo; podemos dizer conhecer muito de uma pessoa, mas nunca totalmente -, mas sim a Representação que fazemos dela e que também tem sentimentos pelo que não somos (pois faz exatamente o mesmo conosco)? A paixão é a primeira responsável por este desacerto. Ela inebria, ofusca, cega mesmo e, quando nos damos conta, construímos uma imagem “ressignificada” para os seres amados e nos apaixonamos, na realidade, por ela. Algumas vezes, não chegamos nem a conhecer a pessoa real. Outras, tomamos um choque tão grande com a discrepância entre a nossa imagem da pessoa e ela própria, e esse choque deixa um gosto tão amargo na alma, que nos traumatizamos. Nas melhores hipóteses, as duas entidades são diferentes, mas nem tanto, ou de um jeito que nos surpreende sem, contudo, decepcionar realmente, ou a decepção é sutil.

 
Vivemos na sociedade da cultura-mundo que adotou, como mote, o “politicamente correto” e a linearidade. O ser humano mediano do século XXI é, de um modo geral, monótono, entediante, produzido em série, e como se já não bastasse, pedante e blasé. São os “Poetas (fingidores) de Si Próprios” nas redes sociais. Publicam a vida que queriam ter, como se já a tivessem. As aspas no termo “politicamente correto” devem-se à relativização do termo, nos dias atuais. Pois o que se vê é o politicamente correto para o resto da humanidade, menos pra mim. “Eu consigo justificar minhas atitudes, ainda que elas sejam taxadas de incorretas, mas o fulano não, ele merece a morte, a fogueira!!”. Escala dupla de valores é o mote real.

 
Dada essa realidade frustrante, não há mesmo muito como conjugar a imagem que projetamos social e conscientemente com quem nós somos, de fato. A partir disso, quando temos oportunidade, nos liberamos. Como ficamos represados por um bom tempo, quando nos soltamos, nós nos sentimos os reis do Universo – e somos capazes de nos sentir congeniais até com Walt Whitman.

 

A melhor maneira de se evadir desse círculo vicioso é não se questionar muito, para evitar que nos enquadremos nessa “espiral do ego”, tentar “pensar fora dessa caixa”. As pessoas que permanecem sadias não se pensam muito, assim como os Deuses. Todos devem (apesar de a maioria achar que não) ter o direito inalienável de se expor e/ou agir, na vida, de acordo com o que pensam, como são. Sair da padronização dos comportamentos, atitudes e posturas.
Não se defende aqui que as pessoas não devam respeitar os direitos alheios - quem quiser, pode se enquadrar e buscar aceitação como um cachorrinho busca o bando, esse também é um direito inalienável – mas esses devem aceitar que os seres humanos são diferentes e não tentar impor sua conduta, seus parâmetros de comportamento aos demais. Essa consciência é a mais difícil de ser encontrada hoje em dia.

 
Para quem pensa fora dessa caixa, o mundo é um turbilhão – infelizmente, no mau sentido. Para esses, a atitude plausível é “dar uma de louco” ocasionalmente, ou se ausentar do mundo, olhar o Rio da Vida passar, evitando intervenções, com tudo que elas acarretam. São os entediados do mundo (isso inclui quem escreve). Os insolúveis. Não conseguem se misturar ao “Rebanho” (Nietzsche), acham que já viram de tudo no mundo (em alguns casos, estão bem próximos da realidade). Não estão livres de uma pequena depressão fortuita, pelo senso de inadequação, desencaixe. Outros tem o desassossego como algo intrínseco. O questionamento sempre “na ponta da língua”. E vivem muito bem com a ideia de serem diferentes. Se não tiverem fobia de palco, de serem o centro das atenções, passam a vida sem maiores problemas. Em alguns casos, precisam trabalhar “sua excentricidade”, e como ela se encaixa com a fobia de palco. Porque tudo é tão massificado que os diferentes são automaticamente postos em primeiro plano, para que se justifiquem, para depois passarem para o segundo plano, o dos excluídos.

 
A atitude naturalmente decorrente é observar o Rio da Vida passar, sem intervir, e/ou se tornar uma pessoa blasé, embora exista uma diferença entre o blasé convicto por tudo quanto já foi dito, e o blasé empertigado, de foto, que copia um modelo. Falta história de vida no copiador, falta estofo. É só a mania de “fazer o carão”, como se diz, fazer o superior, “A Poderosa”, e jogar um “Beijinho no Ombro”. Muito, mas muito pouca paciência pra isso.
A indiferença é a marca registrada de quem já diagnosticou o modus operandi da humanidade, o “Eterno Retorno” a que se referia Nietzsche. Embora na atualidade, essa indiferença tenha sido apropriada erroneamente pelos copiadores e ressignificada como o “ser blasé”. Mas é só uma casca, afinal de contas, não é nada difícil se fazer de blasé, quando se nada num oceano de senso comum, onde se vive no “stand-by”, só esperando “as novas modas” passarem, para poder copiá-las. Onde o “por que?” serve apenas para dirimir dúvidas de como realizar os processos e poder fazer igual, nunca para imaginar como seria a vida se os mesmos fossem realizados de forma diferente.

 
Porque a adequação e a retroalimentação desse modelo trazem uma falsa ideia de estabilidade, de saciedade, conectada com a vida dentro desse “Panóptico Foucaultiano” do senso comum, do “Rebanho” mencionado por Zaratustra, de Nietzsche. O compasso do Fado, do Tumulto do Mundo, citando Pessoa, é composto basicamente de inutilidades, futilidades, odes ao ego, gente vazia fazendo pose de intelectual, fofocas e afins. Uma hipérbole muito elucidativa sobre qual seria o destino da humanidade, em termos do status quo do futuro, de acordo com o jeito como as coisas andam hoje em dia, é a “Capital” da saga “Jogos Vorazes”. Só a indiferença pretendida por Pessoa, ou o suicídio intelectual é capaz de ajudar na lida com um mundo desses. Anestesiar os sentidos, como fazem os jogadores de xadrez, que se sentam à beira do mundo, com uma garrafa de vinho e só ouvem a guerra e seus horrores, enquanto deliberadamente não se dão conta ou acordo de tomar atitudes. Só jogam xadrez. Ou sentam-se à beira do rio.

Referências:
PESSOA, Fernando e seus heterônimos.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.

Um comentário:

Seja bem-vindo!
Sente conosco, tome um cappuccino e vamos conversar!