Como se relacionar com alguém de quem não se
apreende a essência, a Vontade (Schopenhauer) – por excelência, algo inapreensível,
mesmo depois de muito tempo; podemos dizer conhecer muito de uma pessoa, mas
nunca totalmente -, mas sim a Representação que fazemos dela e que também tem
sentimentos pelo que não somos (pois faz exatamente o mesmo conosco)? A paixão
é a primeira responsável por este desacerto. Ela inebria, ofusca, cega mesmo e,
quando nos damos conta, construímos uma imagem “ressignificada” para os seres
amados e nos apaixonamos, na realidade, por ela. Algumas vezes, não chegamos
nem a conhecer a pessoa real. Outras, tomamos um choque tão grande com a
discrepância entre a nossa imagem da pessoa e ela própria, e esse choque deixa
um gosto tão amargo na alma, que nos traumatizamos. Nas melhores hipóteses, as
duas entidades são diferentes, mas nem tanto, ou de um jeito que nos surpreende
sem, contudo, decepcionar realmente, ou a decepção é sutil.
Vivemos na sociedade da cultura-mundo que adotou,
como mote, o “politicamente correto” e a linearidade. O ser humano mediano do
século XXI é, de um modo geral, monótono, entediante, produzido em série, e
como se já não bastasse, pedante e blasé. São os “Poetas (fingidores) de Si
Próprios” nas redes sociais. Publicam a vida que queriam ter, como se já a
tivessem. As aspas no termo “politicamente correto” devem-se à relativização do
termo, nos dias atuais. Pois o que se vê é o politicamente correto para o resto
da humanidade, menos pra mim. “Eu consigo justificar minhas atitudes, ainda que
elas sejam taxadas de incorretas, mas o fulano não, ele merece a morte, a
fogueira!!”. Escala dupla de valores é o mote real.
Dada essa realidade frustrante, não há mesmo muito
como conjugar a imagem que projetamos social e conscientemente com quem nós
somos, de fato. A partir disso, quando temos oportunidade, nos liberamos. Como
ficamos represados por um bom tempo, quando nos soltamos, nós nos sentimos os
reis do Universo – e somos capazes de nos sentir congeniais até com Walt
Whitman.
A melhor maneira de se evadir desse círculo vicioso
é não se questionar muito, para evitar que nos enquadremos nessa “espiral do
ego”, tentar “pensar fora dessa caixa”. As pessoas que permanecem sadias não se
pensam muito, assim como os Deuses. Todos devem (apesar de a maioria achar que
não) ter o direito inalienável de se expor e/ou agir, na vida, de acordo com o
que pensam, como são. Sair da padronização dos comportamentos, atitudes e
posturas.
Não se defende aqui que as pessoas não devam
respeitar os direitos alheios - quem quiser, pode se enquadrar e buscar
aceitação como um cachorrinho busca o bando, esse também é um direito
inalienável – mas esses devem aceitar que os seres humanos são diferentes e não
tentar impor sua conduta, seus parâmetros de comportamento aos demais. Essa
consciência é a mais difícil de ser encontrada hoje em dia.
Para quem pensa fora dessa caixa, o mundo é um
turbilhão – infelizmente, no mau sentido. Para esses, a atitude plausível é
“dar uma de louco” ocasionalmente, ou se ausentar do mundo, olhar o Rio da Vida
passar, evitando intervenções, com tudo que elas acarretam. São os entediados
do mundo (isso inclui quem escreve). Os insolúveis. Não conseguem se misturar ao
“Rebanho” (Nietzsche), acham que já viram de tudo no mundo (em alguns casos,
estão bem próximos da realidade). Não estão livres de uma pequena depressão
fortuita, pelo senso de inadequação, desencaixe. Outros tem o desassossego como
algo intrínseco. O questionamento sempre “na ponta da língua”. E vivem muito
bem com a ideia de serem diferentes. Se não tiverem fobia de palco, de serem o
centro das atenções, passam a vida sem maiores problemas. Em alguns casos,
precisam trabalhar “sua excentricidade”, e como ela se encaixa com a fobia de
palco. Porque tudo é tão massificado que os diferentes são automaticamente
postos em primeiro plano, para que se justifiquem, para depois passarem para o
segundo plano, o dos excluídos.
A atitude naturalmente decorrente é observar o Rio
da Vida passar, sem intervir, e/ou se tornar uma pessoa blasé, embora exista
uma diferença entre o blasé convicto por tudo quanto já foi dito, e o blasé
empertigado, de foto, que copia um modelo. Falta história de vida no copiador,
falta estofo. É só a mania de “fazer o carão”, como se diz, fazer o superior,
“A Poderosa”, e jogar um “Beijinho no Ombro”. Muito, mas muito pouca paciência
pra isso.
A indiferença é a marca registrada de quem já
diagnosticou o modus operandi da
humanidade, o “Eterno Retorno” a que se referia Nietzsche. Embora na
atualidade, essa indiferença tenha sido apropriada erroneamente pelos
copiadores e ressignificada como o “ser blasé”. Mas é só uma casca, afinal de
contas, não é nada difícil se fazer de blasé, quando se nada num oceano de
senso comum, onde se vive no “stand-by”, só esperando “as novas modas”
passarem, para poder copiá-las. Onde o “por que?” serve apenas para dirimir
dúvidas de como realizar os processos e poder fazer igual, nunca para imaginar
como seria a vida se os mesmos fossem realizados de forma diferente.
Porque a adequação e a retroalimentação desse modelo
trazem uma falsa ideia de estabilidade, de saciedade, conectada com a vida
dentro desse “Panóptico Foucaultiano” do senso comum, do “Rebanho” mencionado
por Zaratustra, de Nietzsche. O compasso do Fado, do Tumulto do Mundo, citando
Pessoa, é composto basicamente de inutilidades, futilidades, odes ao ego, gente
vazia fazendo pose de intelectual, fofocas e afins. Uma hipérbole muito
elucidativa sobre qual seria o destino da humanidade, em termos do status quo do futuro, de acordo com o
jeito como as coisas andam hoje em dia, é a “Capital” da saga “Jogos Vorazes”.
Só a indiferença pretendida por Pessoa, ou o suicídio intelectual é capaz de
ajudar na lida com um mundo desses. Anestesiar os sentidos, como fazem os
jogadores de xadrez, que se sentam à beira do mundo, com uma garrafa de vinho e
só ouvem a guerra e seus horrores, enquanto deliberadamente não se dão conta ou
acordo de tomar atitudes. Só jogam xadrez. Ou sentam-se à beira do rio.
Referências:
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.
Referências:
PESSOA,
Fernando e seus heterônimos.
NIETZSCHE,
Friedrich. Assim falava Zaratustra.SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.
Das bin ich !!!
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