segunda-feira, 23 de março de 2015

A Morte do Autor

O Autor, enquanto pessoa, nada tem a ver com a obra em si, pelo menos não com a obra ficcional. Ele é um mero veículo, para uma realidade paralela, que até pode ter sido engendrada a partir do seu imaginário, enquanto ser humano, porém sem que ele possua a habilidade (ou mesmo o desejo) de definir, fechar a interpretação da obra. Enquanto função, ele é um mero produto (intencionalmente ou não) mercadológico, construído a partir de premissas do Romantismo, em cuja época acreditava-se no valor da escrita como conteúdo unicamente expressivo da personalidade, ou do sentimento de quem a escreveu (como se ainda houvesse algo no mundo sobre o que se escrever, que nunca foi pensado).

O ator do papel fundamental na construção da função-autor é o crítico, que, por sua vez, se esquece de sua impossibilidade de reconstituir fundamentalmente a intenção do autor, nem ao menos para saber se ele obteve êxito quanto ao que se propôs fazer.
O crítico também é um ser humano, com a sua interpretação, pessoal e intransferível. Mas atribui a si próprio uma suposta “isenção” - impossível, pelo que ele já leu sobre o assunto, de outros autores; pelos outros livros que já leu do mesmo autor e pelo próprio conhecimento de mundo - e sai em busca da “congenialidade”, determinado a descobrir a real intenção do autor – engano sobre engano, pois nem ele consegue ser totalmente isento, nem muito menos o autor consegue se expressar sem “citar” terceiros.

Ao tachar a função-autor como “produto mercadológico”, faz-se com base na ideia do “nome” do autor (carregado com as características inerentes à remissão a significados que os leitores experimentam, ao ouvir esse nome).
Essa construção utiliza-se, para ser realizada – restritivamente, como toda definição -, do abandono dos textos, ou das obras que não condizem com a “imagem discursiva” - e psicologizante - que o crítico (ou o mercado) quer construir do autor, pessoa. O que é, literalmente, impossível, pois nenhum autor estabelece o mesmo tipo de discursividade para falar de todos os assuntos de que se quer falar, nem o faria da mesma maneira em épocas diferentes de sua vida. Os assuntos, o conduzir das histórias, os desfechos, a moral das histórias simplesmente não seriam os mesmos.

O lado perverso (e reverso) desta moeda é que os efeitos dessa construção se fazem sentir não somente pelo leitor, mas também pelo autor (pessoa), que pode acabar com a impressão de que “tem um nome a zelar” e se fecha, criativamente, unicamente produzindo “best-sellers” (se for esse o caso), ou pelo menos o que se espera que ele crie, com base na imagem construída. Ou reinventando as próprias histórias, conforme sua concepção de vida mude ao longo dos anos, o que não é menos forçado e, em alguns casos, degradante (de sua obra).

O resgate da catarse (enquanto força atrativa do livro sobre o leitor) provocada pela leitura de um conto ficcional baseia-se, necessariamente, na inexistência, no apagamento – morte - de quem o cria, sob pena de transformar-se a ficção em pura mimese, em representação da realidade.
O comportamento esperado de um autor de ficção, pelo fato de ele se constituir de um veículo para uma realidade alternativa (a do conto) e também por ele não poder falar sobre nenhum assunto novo (que nunca tenha sido pensado), se assemelha ao comportamento do intérprete. É claro que, no caso do autor, há muito mais marcas de sua individualidade autoral, mas elas PRECISAM se restringir ao conteúdo do texto, e não ultrapassá-lo, informando aos leitores no que se baseou para concluir a obra e provocar um possível “fechamento” de sua interpretação. Afinal de contas, a interpretação (e mesmo a obra) NÃO pertencem a ele, pelo menos não após seu lançamento.
 

2 comentários:

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