De tal sorte, age também o Poeta, sem precisar viver o que escreve. Ele simplesmente escreve porque seu Imaginar assim o impele, e também por falta de qualquer outra saída que não seja escrever. Diariamente, ele precisa dar adeus ao que não foi por ele dito, ao menos para dormir. Afinal, a capacidade de imaginar é o que nos difere dos outros animais (O Livro do Desassossego, fragmento 27).

E o fingir do poeta (Autopsicografia) se dá pelo fato da realidade ser ou inapreensível ou desinteressante, fugaz demais (daí a necessidade de aliá-la à arte e transformá-la em algo “poético” ou “relatável”). É o sentir com a imaginação e não com o coração (Isto, O Marinheiro). Não é fingimento, é criação.
O dizer (para isso imaginando) é, ainda, desmistificar (O Guardador de Rebanhos – VIII) ainda que criando, involuntariamente (ou não - XXX), o mistério (o poeta acredita que 1) o “Menino Jesus” está dentro dele, como o Evangelho de Tomé – considerado como herético pela Igreja –, que pregava que “O Reino de Deus está dentro de cada um de nós”, ou; 2) o “Menino Jesus” é sua própria criança interior, de quem ele se recusa a se afastar, ou; 3) o “Menino Jesus” é visto por ele, sempre ao seu lado, e ele seria uma espécie de médium?).
Imaginar é também libertar-se, pois a mente não é física; o poeta sente-se congenial com (Walt Whitman) e o saúda, e com ele confraterniza, nele se reconhece, como se fora acometido de Sentir todo o Universo, observável ou não, a um só tempo – manifestando-se ora como o próprio Deus criador, ora como o poeta -, tudo isso partindo de dentro (...de um monóculo e um casaco exageradamente cintado...).
Ocasionalmente o Escrever liberta ainda dualidades não previamente conscientes, em que se encontram, concomitantes, a vontade e a representação - retornando a Schopenhauer -, como (Na Floresta do Alheamento), em que o poeta dá acordo de si enquanto Ser, e também enquanto Criação (mesma situação em Nada Fica de Nada - ... somos contos contando contos...), ou n(A Hora Absurda), onde o autor afirma estranhar a própria alma.
Em outros casos, a Vida é bem diferente. Vive-se num turbilhão de dramas, emoções, paixões e usa-se a imaginação para fugir dessa torrente, quando se (Vem sentar-te comigo à beira do rio, Lídia) e se olha o Rio da Vida passar, ou simplesmente se desliga do mundo para um (Jogo de Xadrez).
Pode-se também fugir da Vida (ou se imaginar como Ela seria sem as paixões, os desassossegos, numa fuga hipotética, através da Imaginação), entregando os pontos e assumindo que um dia retornaremos ao Nada original, adotando uma postura contemplativa, indiferente (e ao mesmo tempo grata - Não Sei Se É Amor que Tens, ou Amor que Finges), solitária (Estás Só), previdente e desalentada sobre a vida (Breve o Dia; Nada Fica de Nada; Tão Cedo Passa Tudo quanto Passa; Gozo Sonhado é Gozo, ainda que em Sonho).
É interessante notar o caráter terapêutico do Imaginar na mente do poeta, como o mesmo consegue se alhear do Fado, do Tumulto do Mundo e, quanto refrigério ele encontra em saber-se dessa forma (Lidia, somos Estrangeiros; Segue o Teu Destino; Gozo Sonhado é Gozo, ainda que em Sonho); por outro lado, porém não menos terapêutico, vemos que o poeta adota a postura de não se questionar (Segue o Teu Destino), até porque esse questionamento teria base em que parâmetros? Nos de um Mundo do qual ele percebe que a melhor saída é se evadir? Nem faria sentido.
A vida é, para nós, como se imagina, com a importância que damos aos fatos que nela ocorrem, esquecendo do que realmente não nos importa, e isso é o que nos difere dos outros seres que coabitam nesse planeta: a memória, a categorização em níveis de importância para a construção do que chamamos de recordação e, para isso, (...O romancista somos todos nós...), ao construir a nossa própria história, nos (...sentando à beira do Rio...) que definiu a nossa vida e vendo de que forma (...seguimos nosso Destino...).
Citações: PESSOA, Fernando e seus heterônimos.
Texto de Cláudio Coutinho da Silva (participação especial)
belo texto (marcowalrus)
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